Foto: Ricardo Fernandes
POR CLAUDIO LEAL
 
A senadora e ex-prefeita de Salvador, Lídice da Matta (PSB-BA), enviará um ofício ao Ibama e cobrará explicações do prefeito ACM Neto (DEM) a respeito da liberação e construção de um quebra-mar de 330 metros, sem debate público, na Praia da Preguiça, na capital baiana. Situado atrás do Restaurante Amado, perpendicular à Avenida Contorno, o quebra-mar sofre críticas de moradores do bairro e de usuários baianos das redes sociais. A Prefeitura é acusada de referendar uma obra que agride uma área pública e histórica no litoral de Salvador.
 
"Eu fiquei chocada. Estou chocada", diz a ex-prefeira Lídice da Matta (1993-1996). "Não posso entender como uma obra que tem um impacto brutal naquela região, que afeta uma área histórica da cidade, possa ser levada dessa maneira. Não é possível. O que a cidade ganha com isso? Qual a importância desse quebra-mar? Não entendo. Precisamos discutir isso já", defende a senadora.
 
Para conter as críticas da população, a Bahia Marina divulgou que pretende recuperar a Preguiça, "levando de volta a areia original da praia". As promessas de bondades não satisfazem os críticos, pois não houve qualquer debate para esclarecer a relevância da obra, que deve atender a cerca de 200 donos de embarcações luxuosas, numa espécie de "puxadinho" da marina já existente (inaugurada em 1999).
 
No site da entidade, o diretor Reynaldo Loureiro anunciou que "as comunidades do entorno que costumam jogar bola no local não serão prejudicadas. A Bahia Marina vai alugar as quadras do Clube dos Bancários, na subida dos Aflitos, para que os jovens pratiquem o seu lazer". 
 
A senadora Lídice constesta a importância da obra e afirma que ela pode mutilar um dos cartões-postais mais belos da cidade. "Eu vou enviar um ofício ao Ibama. Quero explicações. Também quero explicações da Prefeitura. Foi a atual gestão ou a passada que liberou?", questiona.
 
O ex-prefeito João Henrique Carneiro deixou o cargo maculado pela rejeição de suas contas pela Câmara de Vereadores e pelo Tribunal de Contas dos Municípios, carregando a pecha de mau administrador. Carneiro é também contestado por liderar as alterações do PDDU (Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano), com o aumento do gabarito da orla, e da Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo (Louos). 
 
A construção do quebra-mar é a primeira polêmica da gestão do recém-eleito ACM Neto (DEM). A Bahia Marina garantiu que não existe nenhum alvará da Prefeitura de Salvador autorizando a construção de "um prédio de seis andares no local, conforme divulgado". Este novo prédio, cujo projeto é especulado, prejudicaria a visão do frontispício da primeira capital do Brasil, dividida em Cidade Alta e Cidade Baixa.
 
A Praia da Preguiça está situada num dos trechos mais famosos de Salvador (o patrimônio histórico do bairro é vítima de veloz degradação). Próxima ao Elevador Lacerda, Mercado Modelo e Museu de Arte Moderna, a faixa de areia é frequentada por moradores pobres do centro, que temem o sumiço da praia para favorecer mais um empreendimento de luxo na Avenida Contorno.
 
 
Foto: Ricardo Fernandes
 
O que a senhora pensa da construção de um quebra-mar na praia da Preguiça?
Lídice da Matta – Eu fiquei chocada. Estou chocada. É uma obra de porte, que não para. Parece que está sendo tocada com muita rapidez. Eu estava almoçando no restaurante Soho e vinha aquele barulho permanente, pá, pá, pá, com a poeira subindo. Uma coisa intensa, barulhenta. É uma obra de intervenção enorme…
 
Foi acelerada no período do carnaval…
E até começou antes. 
 
Como ex-prefeita de Salvador e senadora da República, quais aspectos da obra lhe provocam estranheza?
Fui a prefeita que liberou a marina e o outro quebra-mar (na década de 90), mas houve uma intensa discussão, que passou pelo Conselho de Meio Ambiente da Prefeitura, para que todos os impactos fossem avaliados. Lembro-me bem que o processo durou um ano, não foi algo assim rápido, como está ocorrendo agora nesse caso. Na época, o projeto da Bahia Marina foi todo modificado, a partir de debates com arquitetos, que fizeram sugestões. E foram aceitas as alterações. Foi um projeto importante para o desenvolvimento do esporte náutico na Bahia. Hoje, a obra do quebra-mar que eu vi, depois do carnaval, vai impedir que a população frequente aquela praia da Preguiça. E sempre foi uma praia muito frequentada por populares.
 
Então, por que o quebra-mar foi liberado?
Tudo na calada da noite. A atual administração tem que dar satisfação. Foi a atual Prefeitura que liberou? Ninguém sabe. Não houve nenhum debate. É chocante.
 
Mas, segundo os realizadores da obra, há licenças do Ibama e da Capitania dos Portos. O que a senhora acha dessas licenças?
Me surpreende. Não posso entender como uma obra que tem um impacto brutal naquela região, que afeta uma área histórica da cidade, possa ser levada dessa maneira. Não é possível. O que a cidade ganha com isso? Qual a importância desse quebra-mar? Não entendo. Precisamos discutir isso já.
 
 
Qual medida pretende tomar?
Eu vou enviar um ofício ao Ibama. Quero explicações. Também quero explicações da Prefeitura. Foi a atual gestão ou a passada que liberou? Houve um estudo de impacto? Passou pelo Conselho de Meio Ambiente? Não sabemos de nada disso. O projeto precisa ser fiscalizado e debatido.
 
Na prática, não será um "puxadinho" da Bahia Marina, para atender apenas a duzentos donos de lanchas?
O primeiro projeto foi todo modificado, atendendo aos interesses da cidade. Eles queriam levantar duas torres, mas houve contestações de arquitetos ouvidos pela Prefeitura. Eles precisaram obedecer às recomendações, até consideraram que eram corretas. Para que o outro quebra-mar fosse construído, foi preciso que eles mudassem drasticamente o projeto. Não é o que está acontecendo agora.
 
Pelo que se divulga, embora a Bahia Marina desminta, o projeto pode incluir um prédio de seis andares naquela praia. O que dizer disso?
Considero outra coisa inadequada. Aquele próprio edifício do lado (Porto Trapiche) foi feito em formato de navio para uma integração com o lugar. Ele não modifica a visão, as pessoas podem ver a divisão entre Cidade Alta e Cidade Baixa. Um prédio alto prejudica tudo isso. Qualquer obra do tipo, sem discussão, me deixa totalmente chocada.
Fonte: http://terramagazine.terra.com.br